Política externa e economia caminham em lados opostos no Brasil

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Apetite chinês faz América do Sul voltar os olhos para o Pacífico; Ásia é destino de metade das exportações de MS

Apesar da tensão política dos últimos dois anos por conta de declarações ideológicas da extrema direita brasileira, a relação comercial com a China permanece a todo vapor, consolidando o gigante asiático como o principal parceiro comercial brasileiro e deixando os Estados Unidos dezenas de bilhões de dólares para trás.

De olho em um mercado crescente ao lado esquerdo do globo, atravessando o oceano Pacífico, a América do Sul avança na execução de um projeto arrojado para reduzir a distância percorrida pelas commodities brasileiras. Mato Grosso do Sul encabeça o projeto da rota bioceânica, que vem sendo sonhada há duas décadas e vai reduzir as viagens marítimas para a Ásia em 17 dias.

Mesmo em meio à pandemia, o apetite dos chineses pelos produtos brasileiros cresceu 6,8% em 2020 e foi responsável por 32,38% das exportações do país sul-americano (US$ 67,7 bilhões) e por quase metade das sul-mato-grossenses (US$ 2,6 bilhões ou 45,4%). Enquanto isso, as exportações brasileiras para os estadunidenses encolheram US$ 8,3 bilhões e hoje somam US$ 21,5 bilhões – valor três vezes menor que as destinadas à China. No caso de Mato Grosso do Sul, os EUA são destino de menos de 5% dos produtos, com um montante de US$ 243 milhões.

Para o economista Hudson Garcia, a explicação está na qualidade da produção brasileira, na implementação tecnológica e aumento de produtividade, além da necessidade dos chineses de pavimentar novos mercados por conta da guerra comercial com os EUA e imposição de tarifas para os americanos que forem adquirir produtos da China.

Produção de soja brasileira tem como principal destino a China

E não são os chineses os únicos interessados nos produtos brasileiros. A Ásia é responsável por praticamente metade das exportações nacionais, em um montante de US$ 99,119 bilhões, além de responder por 35,09% das importações.

Não foi sempre assim. Há três décadas, em 1990, os Estados Unidos figuravam como maior parceiro comercial do Brasil, comprando o equivalente a US$ 7,594 bilhões, enquanto a China figurava apenas na 17ª posição, com US$ 381 milhões.

Parte dessa fome pelas commodities brasileiras tem outra explicação simples: o número de habitantes. A China tem 1,433 bilhão de habitantes e a Índia quase a mesma quantidade: 1,366 bilhão. Enquanto isso, os EUA têm 326 milhões.

Hoje, os chineses são os maiores compradores de soja, minério de ferro, derivados de petróleo, açúcares e melaços, carnes bovina e de aves e celulose brasileiros. Já os estadunidenses aparecem na segunda colocação na compra dos derivados de petróleo (óleos brutos de petróleo ou de minerais betuminosos, crus), justamente atrás da China, e são o segundo maior comprador de café não torrado, depois da Alemanha. Entre os principais produtos brasileiros comprados pelos EUA estão semi-acabados de ferro e aço, aeronaves e celulose.

A China também é o país que mais vende para o Brasil. Foram US$ 34 bilhões, contra US$ 24,1 bilhões dos Estados Unidos. Aí a explicação está na tecnologia de ponta e na diferença de custos. “Então, em termos de importação, por que o Brasil importa tanto da China? Preço. A vantagem competitiva é melhor porque ainda o nosso custo-Brasil inviabiliza a produção de software, de telefones [smartphone] e computadores. Poderia ser menor [o custo-Brasil], mas nós precisaríamos reduzir o Estado, que é muito grande, consome muito recurso, e a gente tem uma dívida fiscal que está cada vez maior”, prossegue Garcia.

Itamaraty

Apesar da relação comercial a todo vapor, no cenário político, o presidente Jair Bolsonaro e os seus filhos, além de integrantes da ala ideológica do governo brasileiro, protagonizaram um festival de ataques à China. Ainda em março de 2018, o então pré-candidato visitou a ilha de Taiwan, território autônomo considerado pela China uma província rebelde, resultando em uma carta da embaixada chinesa em Brasília que viu a visita como uma “afronta à soberania” chinesa. Alguns meses depois, Bolsonaro criticou a relação comercial entre o Brasil e o país asiático, acusando a China de estar tentando comprar o país, e não do Brasil.

Bolsonaro chegou a ir à China em outubro de 2019, mas com as eleições americanas no horizonte e o alinhamento do Brasil à política externa dos Estados Unidos, a ala radical do governo optou por adotar um discurso ideológico e usar a artilharia contra a China. O deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, insinuou que a China seria responsável pela pandemia, e o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, também fez insinuações nesse sentido, o que motivou a abertura de um inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal) a pedido da PGR (Procuradoria Geral da República) para apurar suposto crime de racismo. Em outra ocasião, Eduardo Bolsonaro também defendeu uma “aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China”.

Com a derrocada de Donald Trump na tentativa de reeleição, o Brasil deverá rever sua posição ideológica com relação aos EUA, avalia Hudson Garcia. “Eu entendo, que os Estados Unidos é um parceiro comercial brasileiro que adquire muitos produtos como celulose e as proteínas animais e, do outro lado, o Brasil também importa muito combustível [dos EUA]. Então, eu entendo que o próprio Itamaraty vai mudar o posicionamento quanto a essa questão ideológica que envolve os Estados Unidos, antes do Trump e pós-Trump. E o Brasil vai ter que mudar sua forma de tratar essa relação comercial com os Estados Unidos porque temos outros produtos que antes os EUA eram grandes demandantes nossos, como o suco de laranja”, disse em entrevista ao Jornalismo MS.

Ele disse acreditar ainda que o país precisa continuar aproveitando a demanda chinesa, mudar o tom do discurso e procurar novos mercados em países da Eurásia, como Coréia do Sul, Vietnã, Malásia e Rússia, e da Oceânia, como a Austrália.

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